Investigações apontam que o ex-presidente, deputado Ricardo Nicolau, e o diretor-geral da ALE-AM, Wander Motta, superfaturaram obras do edifício-garagem.
Por ANDRÉ ALVES
|
Ex-presidente da ALE Ricardo Nicolau foi o autor do projeto do edifício-garagem. |
A Assembleia Legislativa do Amazonas (ALE -AM) pagou R$ 3,3 milhões por obras não realizadas. A conclusão consta em investigação feita pelo Ministério Público Estadual (MPE-AM), que apurou superfaturamento na construção do edifício-garagem da Casa e identificou irregularidades na licitação do centro médico do Poder Legislativo. Juntas, as duas obras somam R$ 26,3 milhões.
A investigação aponta o ex-presidente da Assembleia, deputado estadual
Ricardo Nicolau (PSD), e o diretor-geral da Casa, Wander Motta, como os responsáveis pelo desvio do dinheiro público. Um laudo técnico produzido a pedido do Centro de Apoio Operacional de Inteligência, Investigação e de Combate ao Crime Organizado (CaoCrimo) sustenta as conclusões do Ministério Público.
O laudo de engenharia analisou 18 itens, de um total de 105 constantes na planilha do contrato da obra de construção do edifício-garagem da ALE-AM. A obra custou R$ 23 milhões. Pelo menos R$ 3.326.651,46 foram “superfaturados por meio de quantitativos de serviços não executados, que totalizam 14,48% do total da obra”. Segundo o MP, o rombo nos cofres públicos “pode vir até a ser maior” já que, nem todas as informações requisitadas pela investigação foram respondidas pela direção da Assembleia.
Os 18 itens avaliados correspondem a 80% da obra (R$ 14,7 milhões) do edifício-garagem, e foram selecionados levando em consideração a maior representatividade do serviço no orçamento total da construção. Na análise técnica in loco, constatou-se que seis itens estavam de acordo com o contrato, quatro não foram avaliados por falta de documentos e em oito itens verificou-se superfaturamento.
“O sobrepreço final consistiu na RD Engenharia ofertar materiais com
qualidades divergentes do estipulado no exigido no Edital, em quantidades aquém do exigido e em itens desnecessários à execução dos serviços e, mesmo assim, ter recebido os valores integrais por parte da ALE. Com isso, a RD Engenharia lucrou mais do que deveria contratualmente”, conclui relatório.
A empresa, conforme o laudo técnico, entregou concreto diferente do exigido e alterou a qualidade e a quantidade do material. A falcatrua contou com a ajuda da equipe de fiscalização da Assembleia, que fechou os olhos para a fraude, conforme diz o Ministério Público. “A equipe de fiscalização da ALE, ao afirmar que a empresa estava realizando o serviço com as quantidades e qualidades exigidas no Edital, apesar da própria empresa afirmar em seu Projeto Executivo o contrário, o que ensejou o pagamento da verba integral, falsearam a verdade em prejuízo do erário”.
A apuração não encontrou sobrepreço na obra do centro médico da Casa (que custou R$ 3,3 milhões), mas diz que assim como a licitação do edifício-garagem, a concorrência frustou o caráter competitivo e beneficiou a RD Engenharia.
Crime de improbidade administrativa
A investigação que apontou superfaturamento em obra da Assembleia deverá ser analisada pela Procuradoria-Geral de Justiça, em virtude do foro por prerrogativa de função do deputado Ricardo Nicolau. Conforme o relatório, ele poderá sofrer sanções previstas no Código Penal e responder por improbidade administrativa por dano ao erário e crime de responsabilidade. A denúncia cabe ao procurador-geral do MPE-AM, Francisco Cruz.
Procurado para comentar a investigação, o chefe do CaoCrimo, promotor Fábio Monteiro, não atendeu às chamadas da reportagem para o número 8159-11XX nem retornou às ligações. O deputado estadual Ricardo Nicolau também foi procurado por meio do telefone 9994-XX89, mas não atendeu as ligações nem retornou às mensagens deixadas em sua caixa postal.
Edital beneficia RD Engenharia
As exigências dos editais de licitação do edifício-garagem e do centro médico da ALE-AM foram feitas em desacordo com a lei e beneficiaram a empresa RD Engenharia, vencedora das duas licitações. A RD teve apenas duas concorrentes: a Endec Engenharia e a Metro Quadrado Engenharia. Uma das exigências foi a inscrição junto ao Fisco Estadual (Cadastro Estadual de Contribuintes). As três não preenchiam o requisito. Ainda assim, a RD Engenharia venceu.
Conforme a investigação, também contrariou a lei a exigência de que responsáveis técnicos pela obra fossem contratados pela CLT e a certificação ISO como critério de habilitação técnica, o que contraria jurisprudências do TCU. “Tudo foi elaborado para dificultar ao máximo a competitividade, com a existência de condições sequer exigidas por lei”, conclui o MP.
Diretor da ALE rebate acusações
O diretor-geral da ALE-AM, Wander Motta, afirmou que Legislativo Estadual tem como praxe seguir pareceres da Procuradoria Jurídica da Casa em todos os seus editais de licitação. “Não acredito que a Procuradoria da Casa tenha cometido algum equívoco”, disse.
Ainda de acordo com ele, as exigências dos editais de licitação foram feitas para que a Assembleia tivesse a garantia de que iria contratar uma empresa que iniciasse e terminasse as obras. Ele informou que as duas obras ficaram prontas em janeiro desse ano.
Sobre a denúncia de pagamento por obra não realizada, o diretor-geral argumentou que a Casa mantém uma equipe de engenheiros de “excelente competência”, que avaliam e fiscalizam todas as obras antes de qualquer pagamento.
“Todos os nossos procedimentos estão documentados, assinados por ambas as partes, assinado pelo então presidente da Casa e pela equipe de engenheiros”, disse Wander Motta. Ele informou que ainda não foi notificado sobre o assunto.
Para o MPE, as licitações violaram os princípios da legalidade, isonomia e competição. “Os agentes dos ilícitos são o Sr. Wander Araújo Mota e Luiz Ricardo Saldanha Nicolau (...) “uma vez que foram eles que, como ordenadores das despesas, desobedeceram as regras legais e autorizaram a realização de certame licitatório em desrespeito às regras pertinentes à espécie”, diz um trecho do documento elaborado pelo Ministério Público do Estado.